Por:
Felipe Jannuzzi*
Johann
Heinrich Pestalozzi, célebre educador e um dos pioneiros da pedagogia
moderna, preconizava que a educação deve estar centrada no
desenvolvimento integral “da mente, do coração e das mãos”, ou seja, o
raciocínio deve estar em equilíbrio com as emoções e o seu estado
físico.
Esta educação, no seu sentido global, ou seja, aquela que vai além
dos compêndios escolares e acadêmicos, reunindo os valores éticos da
família, das instituições, de pais e educadores, sempre acrescidos pela
força do exemplo, fortalecida por uma constante reflexão, torna-se vital
na construção de clareza quanto às questões envolvendo hábitos
alimentares na infância e adolescência.
Investir em saúde, por meio de uma nutrição saudável, é favorecer o
crescimento de crianças e adolescentes e, sobretudo, preservar vidas. O
ser humano é essencialmente resultado da educação.
Assim sendo, conversamos com Fernanda Gazolla, pediatra do Hospital Municipal Jesus, endocrinopediatra do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) e professora da Universidade Estácio de Sá,
que nos falou sobre cuidados e preceitos vitais para um desenvolvimento
pleno da criança. Vale a reflexão, sobretudo repensar os exemplos que
estamos gerando às futuras gerações.
BVS Adolec: Fale-nos, por favor, sobre pesquisas. Crescem os
índices de obesidade infantil… A prevalência é alta. Hoje, qual a real
situação e quais as projeções futuras?
Fernanda Gazolla – Atualmente, a obesidade é a
desordem metabólica mais comum do Ocidente. Estimativas globais recentes
mostram que 170 milhões de crianças e adolescentes foram classificados
com sobrepeso ou obesidade.
Segundo informações da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), a Organização Mundial de Saúde
aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no
mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos
estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos. O número de
crianças com sobrepeso e obesidade no mundo poderia chegar a 75 milhões,
caso nada seja feito.
BVS Adolec: Sua especialidade cuida do desenvolvimento da
criança. Como hoje melhor dosar a oferta de conhecimento e aprendizado?
Fernanda Gazolla – A oferta ao conhecimento e ao
aprendizado não devem ser restritos somente à infância e à adolescência,
devendo fazer parte de todas as fases da vida de um indivíduo.
Porém, essa oferta deve ser iniciada desde a infância, pois é nesta
fase da vida que o aprendizado acontece com maior fluência, pois o
espírito está mais aberto ao aprendizado.
Para isso, é necessário o equilíbrio na dose ofertada de conhecimento
e aprendizado à criança e ao adolescente que, ao meu ver, só é
encontrado e construído, em um primeiro momento,por meio da
experimentação de provas e expiações no seio da família, da escola e do
convívio social na comunidade em que está inserido.
Se estas experimentações e provas não acontecerem de forma
equilibrada nestes três cenários, este indivíduo seguirá para a fase
adulta sem autonomia, com baixa estima, medos e inseguranças, e com
intempestividade, o que, com certeza, acarretará muitos problemas e
dificuldades que, se não corrigidos a tempo, poderão se transformar em
transtornos emocionais e psíquicos para àquele individuo na vida adulta.
“Saber o melhor caminho”
BVS Adolec: O que vem ocorrendo nos lares é que, em
considerável parte, pais e mães estão despreparados para enfrentar as
dificuldades do trabalho educativo e acabam por tomar atitudes erradas,
tanto na prevenção quanto na área terapêutica, para corrigir os
problemas que surgem. O que a medicina pode fazer nesse campo?
Fernanda Gazolla – Dentre os muitos significados e
conceitos, assim como as diversas etimologias e origens da palavra
medicina, me remeti a um deles, em especial, para responder a essa
pergunta: o ato ou conhecimento de “saber o melhor caminho” para algo.
Vocês devem estar surpresos, pois logo pensamos em medicina como o
ato de “curar” e “tratar” as doenças. Estes últimos fazem parte do largo
espectro de atos que constituem a medicina.
Na infância, o ato de auxiliar a família na escolha do “melhor
caminho”, nada mais é do que uma atitude de prevenção de diversos
comportamentos e hábitos que, na própria infância ou mais adiante, em
qualquer fase da vida daquele indivíduo, podem levar ao adoecimento do
corpo, da mente ou de ambos.
E o que medicina pode fazer para auxiliar na escolha do “melhor
caminho”? Fornecer as informações, os esclarecimento se o apoio
necessários para que a família vivencie e percorra esse caminho das
fases do desenvolvimento e crescimento daquele indivíduo com o preparo
necessário para a formação de um adulto saudável e livre das doenças do
corpo e da mente.
BVS Adolec: Novas mídias, novas tecnologias, a cada dia uma
novidade. Hoje, crianças e adolescentes ficam muitas horas em frente ao
computador, ao smartphone. Isso induz a uma alimentação
inadequada, muito alimento calórico, falta de exercícios… Como você vê
essa situação e o que pode ser feito pelos educadores e por instituições
para mudar essa dinâmica? Quais os caminhos alternativos para vencer a
obesidade infantil?
Fernanda Gazolla – As novas mídias e tecnologias são
parte integrante da vida atual e, a meu ver, como tudo em nossa vida,
necessitam ser dosados na quantidade de horas que ocupam a vida
cotidiana das crianças e adolescentes.
Assim, tanto os educadores como as instituições devem limitar o tempo
de uso dessas mídias e tecnologias, procurando utilizá-las mais no
ambiente escolar e nas atividades em grupo de forma educativa, para que o
tempo fora da escola seja aproveitado para a realização de atividades
lúdicas, com maior contato com a natureza e que estimulem um estilo de
vida mais saudável (alimentação e atividade física).
A limitação do tempo de uso dessas novas mídias e tecnologias
associada ao estímulo a um estilo de vida mais saudável são atitudes
fundamentais na “luta” contra a obesidade infantil.
O valor da integralidade
BVS Adolec: Acha importante que crianças e adolescentes tenham um atendimento multidisciplinar?
Fernanda Gazolla – Não só importante, mas
fundamental. E vou além… O atendimento não deve ser multidisciplinar e
sim, interdisciplinar; quando todos os profissionais envolvidos fazem as
suas avaliações, trocam suas impressões e traçam suas condutas em
conjunto. Existe uma comunicação e uma parceria entre os profissionais
que assistem àquela criança e adolescente, sendo a assistência feita de
forma integral.
A integralidade busca garantir ao individuo uma assistência à saúde
que transcenda a prática curativa, baseando-se em ações de promoção,
prevenção de agravos e recuperação da saúde, permitindo a percepção
holística do indivíduo, considerando o contexto histórico, social,
político, familiar e ambiental em que se insere.
Quando essa integralidade se dá, a chance de sucesso e de conquistas com certeza é muito maior.
BVS Adolec: Como, na prática do dia a dia, corrigir a alimentação?
Fernanda Gazolla – Hoje, sabemos que a alimentação
de um indivíduo e de sua família faz parte do grupo de atitudes
relacionadas ao comportamento, e a mudança de comportamento se viabiliza
por meio da educação.
A relação da criança e do adolescente com o alimento e com o ato se
alimentar, será determinada pela forma que a família os habituou; e é
nesse momento que a educação alimentar da família se faz de suma
necessidade, pois a criança se espelha e reproduz os ensinamentos,
comportamentos e exemplos que são dados pelo pais.
E em qual momento e de que forma a equipe interdisciplinar deve
intervir para a correção? Desde o pré-natal da mãe, se estendendo após o
nascimento a todas as consultas de acompanhamento de saúde daquela
criança. A intervenção deve ser dada a todos os componentes da família e
por meio da conscientização dos familiares e do exemplo de mudança na
sua própria.
Somos o que comemos?
BVS Adolec: Os grandes filósofos diziam “somos o que
pensamos”. Dentro de sua especialidade clínica, é correto dizer que
“somos o que comemos”?
Fernanda Gazolla – Como ressaltei anteriormente, a
nossa atitude perante a comida está relacionada a um padrão de
comportamento. E este comportamento alimentar está constantemente
suscetível ao ambiente familiar, que, na infância, se não for assistido
de forma preventiva, com certeza formará um adulto que “será o que
comeu”.
Assim, na infância, período em que o espírito encontra-se mais
acessível ao aprendizado, podemos mudar o curso dessa filosofia, pois
estes “pequenos”, ainda “estão o que comem”.
BVS Adolec: Por certo, todas as nossas relações são
educativas. Atitudes, palavras, comportamento… Tudo gera ressonância.
Como vê hoje nossa sociedade em geral? O que precisamos para um porvir
mais ditoso?
Fernanda Gazolla – Vejo uma sociedade como um barco
que se encontra à deriva no “mar”, que é a vida. E que necessita da
orientação dos “marinheiros”, que são as relações educativas, para que
alcance o destino final, que é a mudança dos padrões de comportamentos
que nos levam ao adoecimento do corpo e do espírito.
Precisamos da educação dos nossos padrões de comportamentos por meio
de relações educativas pautadas na disciplina, ética, respeito a nós
mesmos e ao próximo.
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*Fonte: Felipe Jannuzzi – Jornalista, editor executivo da Revista Adolescência & Saúde, publicação oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ) e colaborador da BVS Adolec Brasil.
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