sexta-feira, 23 de março de 2018

Como nossa sociedade mata a juventude – agora e no futuro

Por: 

Beatriz Saks*
 
Violências das mais diferentes formas que crianças e adolescentes sofrem ao longo da vida impactam, sim, na conformação e na manutenção de trajetórias infracionais

Mais um relatório aponta em números uma situação há muito conhecida no Brasil: o país mata seus jovens. Realizado no contexto da Resolução da ONU - Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o estudo foi elaborado pela Fundação Abrinq para analisar a condição atual de crianças, adolescentes e jovens brasileiros, de forma a apoiar políticas que poderão modificar a situação de marcada vulnerabilidade e violência na qual a maior parte desse grupo vive.

O estudo aponta que, de cada seis pessoas mortas em 2015, uma tinha até 19 anos de idade. Esse número mais que dobrou entre 1990 e 2015 - de 5.000 para 10,9 mil mortes. Especificamente em relação às mortes por arma de fogo, crianças e adolescentes representam cerca de 20,7% do total de vítimas. Ou seja, em 2015, uma em cada cinco pessoas mortas em consequência de disparos de arma de fogo tinha menos de 19 anos, e eram, em sua maioria, adolescentes acima dos 15 anos de idade.

O relatório traz outro dado conhecido: os atos infracionais cometidos por adolescentes e jovens, em sua maioria, não são contra a vida. A maior parte deles é qualificada como roubo (44,4% das infrações), seguida pelo tráfico de drogas (6.350 ocorrências em âmbito nacional, ou 24,2% das infrações). Isso permitiria levantarmos a hipótese de que os atos infracionais cometidos por eles promoveriam o acesso, ainda que frágil e temporário, ao modo que mundialmente conhecemos de pertencimento social: a aquisição de bens materiais e a possibilidade de frequentar espaços sociais que aqueles com os quais nos identificamos frequentam. Mesmo modo de viver, com diferentes formas de acesso.

Em entrevista por ocasião do lançamento do relatório, Heloisa Oliveira, administradora-executiva da Fundação Abrinq, afirmou a importância de tomarmos os indicadores associados à condição de vulnerabilidade em articulação, uma vez que os adolescentes que cometem atos infracionais (e, poderíamos acrescentar, que acessam o sistema de Justiça) estão entre a população mais pobre e afetada pela falta de acesso a direitos básicos – como saneamento básico e água potável. Se não é determinante que aquele que sofre violações será, também, um violador de direitos, o que as informações do relatório apontam, e as experiências de trabalho que temos feito no Instituto Sou da Paz fazem notar, é que, para crianças e adolescentes, as violências das mais diferentes formas sofridas ao longo da vida, a desigualdade social marcante e o não reconhecimento do valor de suas vidas impactam, sim, na conformação e na manutenção de trajetórias infracionais.

Em relação às medidas socioeducativas, o relatório dá destaque a uma espécie de afunilamento no tratamento oferecido aos jovens de diferentes classes sociais, raça e gênero. E aponta, também, que, antes que se determine uma relação causal entre pobreza e criminalidade, há que se considerar renda e raça como fatores que tornam ainda mais vulneráveis e estigmatizados determinados grupos de pessoas. Ou seja: ser pobre e ser negro não leva à entrada do jovem no universo criminal, mas esses fatores ampliam a condição de vulnerabilidade social. Tomados, com frequência, pelo sistema de Justiça como indicadores de um “potencial criminal” que estaria mais acentuadamente nesses adolescentes do que nos brancos e pertencentes à classe média alta, esses fatores, de acordo com o relatório, implicam um acesso desigual à Justiça e a situações que promovem outras experiências de vida – mais saudáveis para si e para suas comunidades.

Isso significa que uma rede de ações e determinados atores são mais fortemente direcionados a atuar junto à população jovem, negra e pobre. Podemos citar como exemplo a abordagem policial cotidiana a adolescentes pobres e negros e a aplicação preferencial de medidas socioeducativas de internação e semiliberdade (as únicas que significam a privação da liberdade) a eles. A classificação de determinados adolescentes como “suspeitos em potencial”, tão difundida na sociedade brasileira, se não leva à execução do ato infracional, possui uma força simbólica que não permite outras experiências. Ela soma-se, ainda, às condições estruturais que, isoladas, produzem condições de vulnerabilidade: fome, falta de moradia adequada, não acesso à educação escolar e ao trabalho qualificado.

O Instituto Sou da Paz vem atuando há pelo menos dez anos com infância e juventude em situação marcada de vulnerabilidade na cidade de São Paulo. Há três deles, atua diretamente com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e com profissionais que os atendem. Os desafios que testemunhamos para o efetivo cumprimento da medida socioeducativa são inúmeros – muitos deles apontados pela Abrinq. Eles estão relacionados à responsabilização do adolescente, e, também, ao que poderíamos descrever como seu desenvolvimento social.

Observamos que os adolescentes encontram dificuldades para transitar no bairro e fora dele. Assim não conseguem ampliar seu repertório cultural e de experiências desvinculadas ao universo criminal. A própria comunidade tem medo e não consegue se relacionar com o jovem que passou por medida socioeducativa de internação e, em muitos casos, o cumprimento da medida é disputado com a maternidade, a paternidade ou o emprego que precisam ser assumidos pelos adolescentes para sustento do lar. É urgente fazer uso dos dados apresentados a fim de tornar ainda mais clara esta fotografia sobre uma sociedade que, ao matar sua juventude, elimina as chances de uma vida digna agora e no futuro. Devemos tomar os dados em articulação a fim de se que saiba que somos todos afetados por essa dura realidade, que pode e deve ser alterada.
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*Beatriz Saks é coordenadora de projetos da área de Prevenção da Violência do Instituto Sou da Paz.
[Fonte: Nexo Jornal]

Melhor forma de combater a violência nas escolas é promover a paz

Por: 

Macaé Evaristo*
 
É preciso compreender as causas das violências e adotar ações com vistas à convivência democrática na diversidade.

A escola pública é uma política de promoção da cidadania de caráter universal, inclusivo. Isso implica uma educação provedora, acolhedora e, sobretudo, transformadora para que o exercício pleno dos deveres e direitos seja de fato uma conquista de todos.

Segundo a edição de 2016 do Mapa de Violência, jovens, no intervalo de 15 a 29 anos de idade, representaram quase 60% das vítimas de homicídios por arma de fogo no Brasil no período de 2003 a 2014, embora essa faixa etária representasse não mais do que 27% da população total. Também de acordo com o Mapa da Violência, a incidência de homicídios entre pretos e pardos é quase o triplo da verificada na população branca.

Os jovens negros também são os principais alvos da atividade policial e do encarceramento no Brasil. Estudo do governo federal e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com base em dados de 2012, revelou que 55% dos presos no país tinham menos de 29 anos de idade e que se encarcerava 1,5 vezes mais negros do que brancos.

No mapa das cidades, os espaços onde mora a grande maioria dos nossos jovens negros e pobres enfrentam deficiência crônica se não ausência de serviços e equipamentos públicos. Apesar disso, os investimentos em lazer, cultura, saneamento e urbanização continuam a ser carreados predominantemente para as áreas mais abastadas das cidades.

Nesse contexto, a escola pública tem a missão de dar a esses jovens educação de qualidade e também de lhes fornecer instrumental para buscar todos os outros direitos, inclusive o direito à cidade e seus espaços, serviços e equipamentos públicos.

Essa estratégia é essencial para o desenvolvimento de uma cultura de paz. A escola pública, justamente por seu caráter transformador, deve rejeitar práticas perpetuadoras de exclusão que, frequentemente, se traduzem em criminalização dos nossos jovens mais carentes.

Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educação decidiu enfrentar a violência nas escolas de uma forma abrangente e democrática, rejeitando ideias preconceituosas como a que manda prender os suspeitos e culpados de sempre.
No começo de 2017, foi criado o Programa de Convivência Democrática nas Escolas. Apresentado em março em encontro de diretores e supervisores pedagógicos das Superintendências Regionais de Ensino, tem como propósito compreender e enfrentar as violências, reconhecer e valorizar as diferenças e as diversidades no ambiente escolar, além de incentivar a participação política da comunidade onde as escolas estão inseridas, através de projetos e estratégias educativas.

Entre as ferramentas recomendadas estão assembleias e a aplicação de práticas restaurativas. Os profissionais da rede estadual estão sendo capacitados para que as escolas construam planos de convivência democrática adequados às realidades locais e regionais e em harmonia com seus planos políticos pedagógicos.
O programa acrescenta um novo sistema em rede de registro de situações de violência que possibilitará a geração de relatórios com a identificação de pontos críticos, para que  se estude as intervenções mais adequadas a cada situação. A SEE acredita estar dessa forma contribuindo de forma mais efetiva e, porque não, mais inteligente para promover a cultura de paz na nossa sociedade.
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*Macaé é educadora, gestora de política educacionais e atualmente está à frente da Secretaria de Educação de Minas Gerais. Escreve quinzenalmente para o site Carta da Educação.

A gravidez na adolescência no Brasil

A luta pela igualdade de gênero se fortalece dia após dia. Porém, apesar das conquistas serem grandes e a luta das mulheres ser responsável pela diminuição da desigualdade e violência contra a mulher, alguns pontos ainda merecem atenção por parte dos órgãos públicos. Na Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, chamamos a atenção para que a família, o Estado e a sociedade em geral possam se mobilizar para garantir, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, os direitos de adolescentes também quando ocorre uma gravidez.

De acordo com a publicação, realizada em parceria com a Unicef, UNFPA e Indica, Gravidez na Adolescência no Brasil – Vozes de Meninas e de Especialistas, existem dois posicionamentos encontrados na literatura o tema: um concebe a gravidez na adolescência como problema social e o outro como um fenômeno social. O primeiro, embora reconheça os fatores múltiplos das causas, foca nas vulnerabilidades e nos riscos que sofrem uma parcela das jovens gestantes. O segundo, embora reconheça os problemas enfrentados com a gravidez, se concentra nos diversos fatores que levam esse público a uma situação de gestação na voz dos adolescentes.

Desse modo, pensando no sentido de um fenômeno social, existem, segundo a publicação, macrofatores que podem influenciar a gravidez na adolescência, podendo ser considerados sozinhos ou conjuntamente como causas ou motivos. 

São eles:
- gravidez não planejada, causada pelo descompasso entre desejo sexual e o risco;
- gravidez desejada, como resultado da vontade de ser mãe;
- gravidez estratégica, utilizada como forma de mudança de status social;
- gravidez indesejada, resultante da violência sexual.
Sobre o perfil predominante de adolescentes entre 15 e 19 anos com filho no país, é possível resgatar dados analisados em 2014 pelo IBGE. São eles:
- 65% das garotas grávidas estavam no final da adolescência e início da juventude, tendo entre 18 e 19 anos de idade;
- 69% das meninas eram negras;
- 35% delas residiam na região Nordeste;
- 59% não trabalhavam nem estudavam, porém aproximadamente 92% delas cuidavam de afazeres domésticos;
- 37% das meninas estavam, enquanto estado civil, na condição de filha na unidade domiciliar, outras 34% estavam na situação de cônjuge.
Tendo isso em mente, devemos ressaltar a importância da discussão sobre a temática no sentido de incentivar, cada vez mais, o aprimoramento de políticas públicas e programas que garantam os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes.
A gestação adolescente não pode ser tratada de forma universalista como um problema social, afinal, há todo um contexto social, cultural e subjetivo das diversas adolescências brasileiras que implica em vivências e significados diferenciados para cada gestação.

Por fim, como a publicação sugere, a coordenação dos esforços de mobilização social, a qualificação de políticas públicas e o incentivo aos estudos e pesquisas sobre o tema, são pontos essenciais para garantir que adolescentes exerçam o direito de vivenciar sua sexualidade de forma autônoma, afetiva, segura e responsável, com condições assim de decidir, de forma consciente e acompanhada, sobre o papel da maternidade e paternidade na vida delas.
Saiba mais sobre a publicação Gravidez na Adolescência no Brasil – Vozes de Meninas e de Especialistas clicando aqui.

Educação alimentar na infância e adolescência: ampliando o olhar

Por: 

Felipe Jannuzzi*
 
Johann Heinrich Pestalozzi, célebre educador e um dos pioneiros da pedagogia moderna, preconizava que a educação deve estar centrada no desenvolvimento integral “da mente, do coração e das mãos”, ou seja, o raciocínio deve estar em equilíbrio com as emoções e o seu estado físico.

Esta educação, no seu sentido global, ou seja, aquela que vai além dos compêndios escolares e acadêmicos, reunindo os valores éticos da família, das instituições, de pais e educadores, sempre acrescidos pela força do exemplo, fortalecida por uma constante reflexão, torna-se vital na construção de clareza quanto às questões envolvendo hábitos alimentares na infância e adolescência.
Investir em saúde, por meio de uma nutrição saudável, é favorecer o crescimento de crianças e adolescentes e, sobretudo, preservar vidas. O ser humano é essencialmente resultado da educação.

Assim sendo, conversamos com Fernanda Gazolla, pediatra do Hospital Municipal Jesus, endocrinopediatra do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) e professora da Universidade Estácio de Sá, que nos falou sobre cuidados e preceitos vitais para um desenvolvimento pleno da criança.  Vale a reflexão, sobretudo repensar os exemplos que estamos gerando às futuras gerações.

BVS Adolec: Fale-nos, por favor, sobre pesquisas. Crescem os índices de obesidade infantil… A prevalência é alta. Hoje, qual a real situação e quais as projeções futuras?
Fernanda Gazolla – Atualmente, a obesidade é a desordem metabólica mais comum do Ocidente. Estimativas globais recentes mostram que 170 milhões de crianças e adolescentes foram classificados com sobrepeso ou obesidade.
Segundo informações da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), a Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade no mundo poderia chegar a 75 milhões, caso nada seja feito.

BVS Adolec: Sua especialidade cuida do desenvolvimento da criança. Como hoje melhor dosar a oferta de conhecimento e aprendizado?
Fernanda Gazolla – A oferta ao conhecimento e ao aprendizado não devem ser restritos somente à infância e à adolescência, devendo fazer parte de todas as fases da vida de um indivíduo.
Porém, essa oferta deve ser iniciada desde a infância, pois é nesta fase da vida que o aprendizado acontece com maior fluência, pois o espírito está mais aberto ao aprendizado.
Para isso, é necessário o equilíbrio na dose ofertada de conhecimento e aprendizado à criança e ao adolescente que, ao meu ver, só é encontrado e construído, em um primeiro momento,por meio da experimentação de provas e expiações no seio da família, da escola e do convívio social na comunidade em que está inserido.
Se estas experimentações e provas não acontecerem de forma equilibrada nestes três cenários, este indivíduo seguirá para a fase adulta sem autonomia, com baixa estima, medos e inseguranças, e com intempestividade, o que, com certeza, acarretará muitos problemas e dificuldades que, se não corrigidos a tempo, poderão se transformar em transtornos emocionais e psíquicos para àquele individuo na vida adulta.

“Saber o melhor caminho”
BVS Adolec: O que vem ocorrendo nos lares é que, em considerável parte, pais e mães estão despreparados para enfrentar as dificuldades do trabalho educativo e acabam por tomar atitudes erradas, tanto na prevenção quanto na área terapêutica, para corrigir os problemas que surgem. O que a medicina pode fazer nesse campo?
Fernanda Gazolla – Dentre os muitos significados e conceitos, assim como as diversas etimologias e origens da palavra medicina, me remeti a um deles, em especial, para responder a essa pergunta: o ato ou conhecimento de “saber o melhor caminho” para algo.
Vocês devem estar surpresos, pois logo pensamos em medicina como o ato de “curar” e “tratar” as doenças. Estes últimos fazem parte do largo espectro de atos que constituem a medicina.
Na infância, o ato de auxiliar a família na escolha do “melhor caminho”, nada mais é do que uma atitude de prevenção de diversos comportamentos e hábitos que, na própria infância ou mais adiante, em qualquer fase da vida daquele indivíduo, podem levar ao adoecimento do corpo, da mente ou de ambos.
E o que medicina pode fazer para auxiliar na escolha do “melhor caminho”? Fornecer as informações, os esclarecimento se o apoio necessários para que a família vivencie e percorra esse caminho das fases do desenvolvimento e crescimento daquele indivíduo com o preparo necessário para a formação de um adulto saudável e livre das doenças do corpo e da mente.

BVS Adolec: Novas mídias, novas tecnologias, a cada dia uma novidade. Hoje, crianças e adolescentes ficam muitas horas em frente ao computador, ao smartphone. Isso induz a uma alimentação inadequada, muito alimento calórico, falta de exercícios… Como você vê essa situação e o que pode ser feito pelos educadores e por instituições para mudar essa dinâmica? Quais os caminhos alternativos para vencer a obesidade infantil?
Fernanda Gazolla – As novas mídias e tecnologias são parte integrante da vida atual e, a meu ver, como tudo em nossa vida, necessitam ser dosados na quantidade de horas que ocupam a vida cotidiana das crianças e adolescentes.
Assim, tanto os educadores como as instituições devem limitar o tempo de uso dessas mídias e tecnologias, procurando utilizá-las mais no ambiente escolar e nas atividades em grupo de forma educativa, para que o tempo fora da escola seja aproveitado para a realização de atividades lúdicas, com maior contato com a natureza e que estimulem um estilo de vida mais saudável (alimentação e atividade física).
A limitação do tempo de uso dessas novas mídias e tecnologias associada ao estímulo a um estilo de vida mais saudável são atitudes fundamentais na “luta” contra a obesidade infantil.

O valor da integralidade
BVS Adolec: Acha importante que crianças e adolescentes tenham um atendimento multidisciplinar?
Fernanda Gazolla – Não só importante, mas fundamental. E vou além… O atendimento não deve ser multidisciplinar e sim, interdisciplinar; quando todos os profissionais envolvidos fazem as suas avaliações, trocam suas impressões e traçam suas condutas em conjunto. Existe uma comunicação e uma parceria entre os profissionais que assistem àquela criança e adolescente, sendo a assistência feita de forma integral.
A integralidade busca garantir ao individuo uma assistência à saúde que transcenda a prática curativa, baseando-se em ações de promoção, prevenção de agravos e recuperação da saúde, permitindo a percepção holística do indivíduo, considerando o contexto histórico, social, político, familiar e ambiental em que se insere.
Quando essa integralidade se dá, a chance de sucesso e de conquistas com certeza é muito maior.

BVS Adolec: Como, na prática do dia a dia, corrigir a alimentação?
Fernanda Gazolla – Hoje, sabemos que a alimentação de um indivíduo e de sua família faz parte do grupo de atitudes relacionadas ao comportamento, e a mudança de comportamento se viabiliza por meio da educação.
A relação da criança e do adolescente com o alimento e com o ato se alimentar, será determinada pela forma que a família os habituou; e é nesse momento que a educação alimentar da família se faz de suma necessidade, pois a criança se espelha e reproduz os ensinamentos, comportamentos e exemplos que são dados pelo pais.
E em qual momento e de que forma a equipe interdisciplinar deve intervir para a correção? Desde o pré-natal da mãe, se estendendo após o nascimento a todas as consultas de acompanhamento de saúde daquela criança. A intervenção deve ser dada a todos os componentes da família e por meio da conscientização dos familiares e do exemplo de mudança na sua própria.

Somos o que comemos?
BVS Adolec: Os grandes filósofos diziam “somos o que pensamos”. Dentro de sua especialidade clínica, é correto dizer que “somos o que comemos”?
Fernanda Gazolla – Como ressaltei anteriormente, a nossa atitude perante a comida está relacionada a um padrão de comportamento. E este comportamento alimentar está constantemente suscetível ao ambiente familiar, que, na infância, se não for assistido de forma preventiva, com certeza formará um adulto que “será o que comeu”.
Assim, na infância, período em que o espírito encontra-se mais acessível ao aprendizado, podemos mudar o curso dessa filosofia, pois estes “pequenos”, ainda “estão o que comem”.

BVS Adolec: Por certo, todas as nossas relações são educativas. Atitudes, palavras, comportamento… Tudo gera ressonância. Como vê hoje nossa sociedade em geral? O que precisamos para um porvir mais ditoso?
Fernanda Gazolla – Vejo uma sociedade como um barco que se encontra à deriva no “mar”, que é a vida. E que necessita da orientação dos “marinheiros”, que são as relações educativas, para que alcance o destino final, que é a mudança dos padrões de comportamentos que nos levam ao adoecimento do corpo e do espírito.
Precisamos da educação dos nossos padrões de comportamentos por meio de relações educativas pautadas na disciplina, ética, respeito a nós mesmos e ao próximo.
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*Fonte: Felipe Jannuzzi – Jornalista, editor executivo da Revista Adolescência & Saúde, publicação oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ) e colaborador da BVS Adolec Brasil.

Por que acabou a programação infantil de qualidade na TV aberta?

Isabella Henriques*


Sou da geração que assistiu muita programação infantil de qualidade na tevê aberta. Assistia o Bambalalão da TV Cultura, o Daniel Azulai, na Bandeirantes, e as primeiras edições do Sítio do Pica-pau Amarelo, na Globo.

Hoje sinto falta da programação infantil na tevê aberta, não apenas por uma questão familiar, mas porque meu trabalho me faz refletir muito sobre esse tema, na medida que estou à frente da área de Advocacy do Alana, organização sem fins lucrativos que tem como missão Honrar a criança.

Justamente por trabalhar com o tema da infância e da garantia e promoção dos direitos da criança, acredito que o fim da programação infantil na tevê aberta é, não só uma tristeza e uma verdadeira lástima, mas inconstitucional, ou seja, contraria a mais alta norma na hierarquia das nossas leis, a Constituição Federal.

No seu artigo 221, a Constituição diz que é obrigação da radiodifusão no país promover conteúdo preferencialmente com finalidade educativa, artística, cultural e informativa. Vale lembrar que as tevês abertas são concessões do Poder Público, o qual permitiu que empresas privadas, sob determinadas condições, administrassem esse espectro comunicacional com a precípua finalidade de promover um serviço útil e adequado à população para a garantia do seu direito à comunicação.

Infelizmente não é isso que vemos diariamente na tevê aberta. Não só a expressiva diminuição da programação infantil é uma ilegalidade rotineira. Também o são os programas policialescos que reincidentemente violam direitos humanos. Assim como a quase inexistente representatividade da população nessa que é uma mídia social de massa. Mas esses e outros temas deixarei para um outro dia. Hoje a conversa é mesmo sobre a programação infantil.

É comum atribuir-se esse declínio da programação infantil na tevê aberta, chegando-se mesmo a falar no seu fim, à discussão sobre a publicidade infantil – aquela que é dirigida às crianças e seria a única fonte de financiamento da programação infantil. Nesse sentido não são poucos que dizem ser a atuação de organizações da sociedade civil no sentido de apoiar a proibição da publicidade infantil, assim como a Resolução 163/2014 do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, as grandes causadoras desse mal.

Mas, certamente, não é essa a verdadeira razão de hoje termos tão poucas opções de programação infantil na tevê aberta. Fosse isso não haveria programação televisiva infantil em lugar algum porque a lei que rege a tevê fechada infantil é a mesma que se aplica à tevê aberta no que se refere à publicidade infantil e, todos sabemos, a tevê fechada está repleta de programação infantil nesses canais.

O que acontece é uma escolha empresarial decorrente da diferença dos negócios. A tevê aberta vive dos índices de audiência, quanto maior o número de pessoas assistindo à programação, melhor para o negócio. A tevê fechada, por sua vez, vive da segmentação do público: nos canais infantis quer a audiência infantil, nos canais jornalísticos quer a audiência adulta, nos canais de esportes radicais, quer a audiência jovem e assim por diante.

Para uma tevê aberta que quer alcançar o maior número possível de telespectadores, fazer um programa direcionado ao público infantil vai contra a lógica do negócio. Nesse raciocínio, do negócio, da lucratividade, é melhor trocar a TV Globinho para crianças pelo Programa da Fátima Bernardes que se propõe falar com crianças e também com os jovens, os adultos e os idosos.

Mas, para não perder por completo o nicho dos infantis, visando o bem do negócio, vale a pena ter um canal infantil para, como diriam os velhos juristas, ao arrepio da lei, fazer muita publicidade infantil, ganhar triplamente, pela assinatura, pela publicidade e pelo licenciamento dos personagens próprios. Com isso, só continuam a apresentar programação infantil na tevê aberta as empresas que não possuem canais segmentados ou os canais estatais como a TV Brasil – cuja programação infantil é maravilhosa e vale a pena conferir – e a TV Cultura, nossa velha conhecida pelas incríveis produções nessa área.

É tudo pelo negócio. Pelo dinheiro. Não o dinheiro para fazer a produção audiovisual infantil – que pode ser obtido de várias formas e não só pela publicidade – mas é o dinheiro do lucro das empresas. E nossas crianças, de novo, ao largo da lei, sem ter garantidos os seus direitos consagrados na Constituição Federal, especialmente no citado artigo 221 e no 227, que trata da sua absoluta prioridade. No fim das contas, a proibição da publicidade infantil é só uma desculpa: a mesma empresa que diz que precisa cumprir a lei e não pode mais fazer publicidade infantil na tevê aberta o faz descaradamente na tevê fechada.

A discussão sobre o tema da proibição do direcionamento de publicidade a crianças não é nova, tem estado na agenda pública brasileira da última década. Esteve nas manchetes dos principais jornais brasileiros, foi pauta de incontáveis programas de debate, esteve no centro de inúmeras audiências públicas no Congresso Nacional, em discussões em universidades por todo o país. Objeto de uma avalanche de trabalhos acadêmicos, pesquisas e até livros, foi tema da redação do ENEM em 2014. A seu propósito, pesquisa realizada pelo DataFolha, no ano passado, apurou que 60% da população brasileira é totalmente favorável ao completo banimento da publicidade dirigida às crianças.

É por trabalhar no âmbito da discussão da publicidade infantil há mais de 10 anos que eu asseguro, de forma categórica, que a proibição da publicidade infantil anda ao lado da programação infantil de boa qualidade televisiva no âmbito da lei. Ambas são garantidoras da integridade psíquica e dos direitos das crianças.

Daí a importância de que falemos mais a respeito de ambas e que passemos a exigir uma programação televisiva de qualidade para crianças também na tevê aberta que fala diariamente com a quase totalidade das milhões de crianças no país. Sem que, para isso, seja necessário violar-se o direito das crianças de verem-se livres da publicidade comercial.

*Isabella Henriques é advogada e diretora de Advocacy do Instituto Alana. É mestre em Direitos Difusos pela PUC-SP e autora do livro "Publicidade abusiva dirigida à criança" (Ed. Juruá).

Participação e entrevista no Programa Exporte Vale, contei toda a história do Conselho neste programa !!!

PARA ASSISTIR O VÍDEO NA ÍNTEGRA BASTA CLICAR  NA IMAGEM E FAZER O LOGIN NO FACEBOOK