Para as crianças, adaptar-se ao cenário de isolamento social exigido pela pandemia do novo Coronavírus pode ser difícil. A vida seguia seu percurso normal, mas, de repente, tudo mudou. Uma nova rotina, sem escolas, creches, sem contato com os colegas, sem passeios chegou e trouxe à vida de todos, especialmente dos pequenos, muitas mudanças e adaptações.
Como o isolamento social influencia a saúde mental infantil
A saudade do mundo de antes, difícil, mas conhecido, do contato físico acompanhado de beijos e abraços que não traziam o temor e o medo. A rotina dos coletivos escolares, das festas de aniversários, dos almoços e reuniões familiares, tudo isso teve que dar lugar ao distanciamento social, necessário para conter a propagação do inimigo invisível e pouco conhecido. Existem diferentes percepções sobre esse período de desafios, o que torna ainda mais importante o convite para pensar, ouvir e falar com empatia e respeito, principalmente com as crianças.
Para explicar esse momento de transformação carregado de sentimentos e expressões na vida dos pequenos, a médica pediatra e terapeuta de família na Coordenação Técnica de Saúde Mental do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Maria Martha Duque de Moura, foi convidada.
As crianças precisam ter ciência de tudo que está acontecendo?
As crianças têm o direito de saber e acompanhar o que está acontecendo. Os adultos devem achar a dose, a quantidade de informações e evitar sobrecarregá-las. É importante filtrar e limitar a avalanche de notícias que chegam em nossas casas todos os dias, além de escolher fontes seguras e confiáveis. Os pequenos também devem ser assegurados de que papai e mamãe estão tomando providencias e vão cuidar do assunto.
Como os pequenos respondem ao estresse que estão sendo expostos?
É natural a nossa estranheza com o “novo normal”, todas as preocupações com contágio, limpeza e prevenção. Inevitáveis os impactos psicológicos do isolamento na vida das pessoas, inclusive das crianças. Reações de medo de adoecer e morrer, de perder pessoas queridas, com isso, as crianças expressam seu medo através de crises de angústia, irritabilidade, tristeza, alterações do apetite e sono. Ninguém é forte o tempo todo, por isso, é importante respeitar os momentos de tempestade de cada um em casa. Os conflitos interpessoais são proporcionais ao tamanho da tarefa coletiva.
Como o isolamento social impactou no desenvolvimento escolar das crianças?
Os seres humanos aprendem se relacionando com seu entorno. A criança aprende ao explorar o mundo, ao brincar sua realidade. Ainda que a creche e a escola não sejam os únicos espaços de cuidado e aprendizagem, ali encontramos processos sistematizados que pretendem impulsionar a aquisição de conhecimentos. As instituições educacionais promovem também a oportunidade de encontros com os pares, pessoas de idades e momentos cognitivos aproximados. Esses encontros promovem o que o autor Lev Vygotsky chamava de zona proximal de conhecimento, que contribui em muito para o aprendizado. A socialização, o exercício de convívio no coletivo complementa e é consequência preciosa da frequência à escola.
A família pode contribuir para amenizar essa ausência do ambiente escolar?
A falta da escola trará consequências proporcionais a duração deste afastamento, bem como a capacidade do entorno da criança em promover oportunidades de aprendizado e socialização, ainda que, em momentos de pandemia, muitas vezes virtuais. Na família, a convivência entre gerações pode representar preciosos momentos de coeducação. Esse momento excepcional pode, inclusive, afetar positivamente a criança, pois aprendemos muito nesse período, desenvolvemos talentos como criatividade, paciência e flexibilidade. Muitos pais, habitualmente, muito ocupados no dia a dia estão tendo mais tempo para estarem com seus filhos, possibilidade se conhecerem mais e se apoiarem.
Como os pais podem amenizar a angústia dos pequenos e ajudá-los a enfrentar esse período de isolamento social?
Os pais podem ajudar seus filhos conversando com eles, reconhecendo as dificuldades de todos e assegurando, demonstrando que nós adultos estamos tomando providencias. Explicando, inclusive, que o uso de máscaras, a lavagem das mãos, os cuidados em casa e o isolamento são providências e que as crianças estão fazendo sua parte. Ajudam também criando oportunidades para pequenos grandes trabalhos em casa, como cuidar de encher as garrafas de água da geladeira, ajudar a arrumar o quarto ou preparar a comida da família, molhar as plantas, cuidar dos animais de estimação, entre outros. As crianças devem ser incentivadas a manterem contato frequente com amigos e familiares mediados pelas diversas tecnologias, como WhatsApp, plataformas de reuniões, Skype, etc. Sobretudo aquelas que permitem o contato visual que ampliam as possibilidades de comunicação.
Quando os pais devem procurar ajuda de um profissional para intervir no comportamento da criança devido ao isolamento social?
Ninguém é forte o tempo todo. Todos temos nossos momentos mais difíceis e estes precisam ser respeitados. Por vezes, os conflitos interpessoais transbordam nossas possibilidades naquele momento e a busca de ajuda pode ser norteada pela intensidade das reações, dos sintomas e sua duração. Vale estimular cada membro da família a observar sua necessidade. A companhia de um profissional da psicologia pode ser uma das providências tomadas pelos adultos responsáveis. Em momento de pandemia, o desafio das terapias on-line, até de crianças pequenas se agrega. Ainda que virtualmente. O importante é a qualidade dos encontros e, felizmente, podemos contar com a tecnologia.
Nesse momento de isolamento, tanto os adultos quanto as crianças estão expostos a uma grande carga de estresse emocional. Isso, muitas vezes, acaba acarretando impaciência e gerando violência intrafamiliar infantil. Como isso pode ser evitado?
Os que os pais podem fazer para conciliar tarefas domésticas, trabalho home office, cuidado com as crianças e manter o equilíbrio emocional?
Algumas dicas preciosas podem ajudar: Criar rotinas semanais nos dão maior sensação de autocontrole. Contar o tempo e usar calendários são referências, desenvolver estratégias de cuidados da casa e de si e os exercícios físicos regulares trazem disposição. Manter contato com sua rede sócio afetiva é fundamental. Felizmente, muitas vezes é possível contar com a tecnologia para ajudar, falar por vídeo, até diariamente, nos dá sensação de pertencimento e nos ancora. Também imaginar-se lá fora, com os amigos e fazer planos de futuros possíveis, ainda que com cuidados, nos alimenta para enfrentar as dificuldades do hoje.
Vai passar!
Por Suely Amarante
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